colunistas do impresso

A vida pela janela

style="width: 100%;" data-filename="retriever">

Durante muitos anos, assisti a uma silenciosa cena: uma menina permanecia por várias horas olhando o movimento na minha rua, através de uma pequena janela. Nunca vi seu corpo por inteiro, nem sequer ouvi sua voz, apenas lhe acenava e ela sempre retribuía com um leve sorriso. Era uma jovem com problemas mentais, sendo que sua humilde família a protegia, mantendo-a dentro de casa. Certamente aqueles momentos eram os melhores na sua rotina diária.

Essa também foi a realidade das mulheres antes dos movimentos antecipatórios. A história da vida privada no período colonial do Brasil relata esse cotidiano feminino, onde os passeios se resumiam às missas dominicais e o contato com o mundo externo se dava através das janelas. A arquitetura da época revela isso.

Nas cidades históricas de Minas Gerais é possível conhecer as bancadas ao lado das janelas, que serviam de acomodação para a atividade rotineira. O artesanato brasileiro é rico nas confecções de lindas "namoradeiras" que enfeitam os parapeitos, representando esse costume.

Pois bem, retornamos às nossas janelas e sacadas. Lá fora, a vida continua, silenciosa, mais ainda mais bela. O céu tem até apresentado um azul mais nítido e puro. Nos países em que o isolamento social perdura há mais tempo, ocorre uma verdadeira festa da natureza, poupada dos malefícios da interferência humana.

Os habitantes de Jalandhar, na Índia, puderam ver nitidamente as montanhas do Himalaia, distantes a 230 km, o que não acontecia desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Na Itália, animais como ovelhas e javalis caminham tranquilamente pelas ruas vazias e coelhos passaram a correr pelos parques de Milão. Os canais de Veneza voltaram a ter água clara e nítida. Já na Tailândia, foram os macacos que dominaram as ruas devido à ausência humana. Cuidadores do zoológico Ocean Park, em Hong Kong, estão animados com a possibilidade de um bebê panda ter sido concebido graças ao isolamento gerado pela crise da Covid-19, depois de 10 anos tentando copular sem sucesso. Os relatos nesse sentido têm sido diários.

Talvez devêssemos também abrir as janelas de nossos corações. Encarar a vida de forma diferente, sem poluição e negativismo. Podemos começar pela nossa própria família, revalorizando as relações afetivas, o respeito e a solidariedade.

A moldura das janelas e as grades das sacadas limitam nosso espaço enquanto nos dão segurança. Ao mesmo tempo, nos integram ao cenário de nossas ruas desertas como personagens estáticos. Talvez a jovem silenciosa da janela não tenha tido a oportunidade de conhecer outros lugares, mas sentia-se protegida e cuidada encontrando no lar o seu necessário refúgio.

O mesmo refúgio é o que se faz necessário nesse momento de isolamento social. Ele é indispensável, pois objetiva salvar vidas. Essa vida que só ganha significado ao lado daqueles que lhe dão sentido e valor: nossa própria família.


Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Equívocos e esperanças Anterior

Equívocos e esperanças

Coisa estranha Próximo

Coisa estranha

Colunistas do Impresso